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CONSIDERAÇÕES ACERCA DAS CONTRADIÇÕES NAS NOVAS NORMAS RELATIVAS À GUIA DE UTILIZAÇÃO

Atualizado: 24 de jun. de 2020

Com o advento da Resolução nº. 37/2020 da Agência Nacional de Mineração – ANM, alguns artigos da Portaria 155/2016 que versavam sobre a Guia de Utilização foram alterados, visando desburocratizar o procedimento e fomentar o setor de mineração.


Dentre as importantes alterações normativas, damos destaque às seguintes: 1) a possibilidade de extração de mais de uma substância em uma mesma Guia de Utilização; 2) a permissão legal para sua emissão entre o período da apresentação do relatório final de pesquisa e a sua aprovação; 3) a previsão expressa de que a emissão constitui ato vinculado, desde que preenchidos os requisitos legais; e 4) a desvinculação do procedimento de emissão da Guia de Utilização do processo de licenciamento ambiental, o que faz com que a licença ambiental passe a ser exigida apenas como condição de eficácia (produção de efeitos).  


Por outro lado, pontos cruciais contidos na norma têm suscitado dúvidas no setor minerário. Pretendemos aqui explanar as contradições identificadas e provocar o debate entre os interessados, a fim de buscarmos a construção conjunta de um entendimento que resguarde os direitos do minerador e atinja a finalidade da norma.


A primeira questão a ser abordada versa sobre a necessidade de vistoria prévia para a emissão da Guia de Utilização. 


Em que pese a existência de entendimento de que a vistoria não teria sido dispensada, mas que passaria a ser considerada situação excepcional, entendemos que o argumento não inova no regramento ao qual a Administração Pública já está vinculada, pois, no exercício de seu poder de polícia, poderá  realizar atos fiscalizatórios a qualquer tempo.


Por outro lado, o art. 105, § 4º da Portaria 155/2016, com redação dada pela Resolução 37/2020, ao dispor que “a qualquer momento a partir da emissão da GU, o seu cumprimento poderá ser objeto de ação fiscalizatória da ANM”, leva a crer que as ações fiscalizatórias ocorrerão a partir da emissão da Guia e não, necessariamente, como condição para sua emissão, como era comumente realizado por algumas Gerências Regionais da ANM. 


Assim, a nosso ver, a emissão da Guia de Utilização não está condicionada à vistoria prévia, o que justifica a exigência de apresentação, quando do seu requerimento, dos elementos detalhados elencados no art. 104 da norma aqui tratada.


Outro ponto controvertido se refere ao limite de volume de recursos minerais passíveis de serem extraídos com arrimo na Guia de Utilização, diante da alteração na redação do parágrafo único do art. 103 da Portaria 155/2016, que suprimiu a possibilidade expressa de majoração das quantidades máximas previstas na tabela do Anexo IV. 


Originalmente, a Portaria 155/2016 previa que: 


A critério do Diretor-Geral poderá ser concedida GU para outras substâncias não relacionadas na tabela de que trata o caput, mediante parecer fundamentado, e as quantidades máximas previstas poderão sofrer acréscimo quando da emissão de novas GU, desde que comprovadamente demonstrada a necessidade de incremento da produção para atendimento do mercado.


A norma foi modificada pela Resolução 37/2020, passando a dispor que “a critério da Diretoria Colegiada da ANM poderá ser concedida GU para outras substâncias não relacionadas na tabela de que trata o caput”. 


E, mais, o art. 105, § 2º, da citada Resolução asseverou que os requerimentos que atenderem aos requisitos fixados pela norma, mas com pedidos de volumes acima do permitido na tabela do Anexo IV, serão objeto de análise e parecer técnico no qual o servidor sugerirá a “adequação dos volumes máximos a serem extraídos, encaminhando-se em seguida o processo à autoridade competente para decisão e publicação”. 


A revogação do dispositivo que previa expressamente a possibilidade do então Diretor-Geral majorar a quantidade máxima passível de extração, aliada à inclusão da determinação ao servidor de emitir parecer sugerindo a adequação dos volumes máximos, levou ao entendimento de que a extração de substância nessas condições não mais seria autorizada. 

 

A recente Portaria MME nº. 366, de 19 de junho de 2020, publicada no Diário Oficial da União em 22/06/2020, delegou aos Gerentes Regionais das Unidades Administrativas da ANM a decisão sobre a emissão da Guia de Utilização, “(...) com exceção do previsto no parágrafo único do art. 103 da Consolidação Normativa do DNPM, aprovada pela Portaria DNPM n° 155, de 12 de maio de 2016”, que versa, exclusivamente, sobre as substâncias não previstas na tabela no Anexo IV, não podendo ser utilizada como argumento para eventual existência de previsão legal para emissão acima dos limites fixados em lei. 


Ultrapassada a questão dos volumes máximos da Guia de Utilização, passamos ao art. 112, “caput”, da Portaria/155, que dispõe: “vencido o prazo da autorização de pesquisa a emissão da GU ficará condicionada ao deferimento de eventual pedido de prorrogação do prazo do alvará de pesquisa ou à aprovação do relatório final de pesquisa, conforme o caso”.


O artigo não foi objeto de revogação expressa pela Resolução 37/2020, que, contraditoriamente, em seu art. 122, § 1º, assegura que: “a ausência de aprovação do relatório final de pesquisa entregue tempestivamente não obstará a emissão da GU”.


Temos, assim, dispositivos aparentemente conflitantes: o art. 122, § 1º autoriza a emissão da Guia de Utilização entre o período da apresentação do relatório final de pesquisa tempestivamente apresentado e da sua aprovação, enquanto que o art. 112, “caput” condiciona a emissão à sua aprovação. 


Com base na Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro (Lei 4.657/42) concluímos pela prevalência no disposto na Resolução 37/2020, que veicula o entendimento de que a ausência de aprovação do relatório final de pesquisa não poderá constituir impedimento para a emissão da Guia de Utilização.


Por fim, cumpre analisar o disposto no art. 105, IV, da Portaria 155/2016.


A emissão da Guia de Utilização passou a ser prevista como ato administrativo vinculado, desde que obedecidos os requisitos indicados no art. 105, dentre os quais, transcrevemos o inciso IV: “não ter realizado lavra ilegal previamente ao requerimento da GU”.  


O dispositivo suscitou várias dúvidas, dentre as quais citamos as seguintes: a) o impedimento estaria restrito ao processo minerário no qual a Guia de Utilização foi requerida ou estaria vinculado à empresa?; b) também se aplicaria aos casos em que o procedimento de lavra ilegal estaria concluído, nos termos da Portaria MME 240/2020, c) o impedimento também seria aplicável em caso de lavra ilegal pretérita realizada por terceiros?

Entendemos, a princípio, que a lavra ilegal pretérita citada pela Resolução 37/2020 apenas poderia se referir ao processo específico no qual o requerimento foi protocolado tendo em vista a ausência de previsão expressa que estenda o impedimento à qualquer outro processo de titularidade da empresa requerente. 


Noutra monta, a norma parece abranger as hipóteses de lavra ilegal com procedimento administrativo específico concluído e, também, os casos de extração realizada por terceiros, porquanto não lançou exceções em sua redação. O entendimento é reforçado pela revogação do parágrafo único do art. 107, da Portaria 155/2016 que dispunha:


Em caso de atividade de lavra ilegal a decisão sobre o pedido de GU somente será exarada depois de concluída a apuração do fato, com a paralisação das atividades e adoção das providências determinadas no Manual de Fiscalização do DNPM. 


Com efeito, é inegável que as alterações normativas promovidas pela ANM por meio da Resolução 37/2020 trazem benefícios ao setor mineral, especialmente ao setor de rochas ornamentais, no entanto, a atecnia no texto normativo e as contradições identificadas acarretam insegurança jurídica ao passo que transferem ao servidor a função de interpretar, a seu critério, norma que comporta entendimentos bastante distintos. 

  


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